PRESIDENTE NO MEIO DO MATO

Autores: Beto Melatti e Branco Melatti

Houve uma época que em todos os domingos o Esporte Clube Cobra Preta fazia incursões futebolísticas participando de jogos amistosos e torneios nos distritos, povoados e lugarejos do município de Getúlio Vargas.

Todos esperavam com ansiedade pela chegada do final de semana, porque no domingo à tarde não tinha nada para fazer na cidade de Getúlio Vargas. Essas pequenas viagens eram verdadeiras festas. Geralmente o ônibus da linha Prezzotto saía depois do meio-dia do prédio dos Melatti ou da Lancheria Zadra.

Assim que a delegação pegava a estrada, lá vinha o Ataliba arrecadando o valor da passagem de cada jogador. Alguns alegavam não ter dinheiro, outros reclamavam do preço ou trocavam de assento querendo “driblar” o Bita. Ele dizia que não queria saber de débitos, que já tinha muita gente com a “mensalidade” em atraso e que todos tinham que contribuir, mas ia aos poucos relevando e acomodando cada situação. No fundo, tudo aquilo era uma grande e saudável gozação.

Nessas idas ao interior, a maioria queria mesmo ir jogar bola, outros só iam para namorar as gurias da colônia e uns poucos gostavam de beber uns tragos. Estes, sabiam que se bebessem na viagem de ida não iriam jogar nem no “cascudo”, então jogavam bem e bebiam na viagem de volta. Geralmente voltávamos cantando e muito felizes no retorno pra casa.

Acontecia de tudo nesses jogos. Houve ocasiões em que tivemos que fugir de alguns lugares para não apanhar dos “anfitriões”, pelo fato de nossos jogadores terem cometido alguma inconveniência dentro ou fora do campo. Mas geralmente os times titular e aspirante do Cobra Preta eram muito respeitados e bem recebidos nas comunidades do interior, sendo que em muitas vezes nossas despesas de comida e bebidas eram custeadas pelos times da casa.

Certa vez o Cobra foi jogar no então Distrito de Ipiranga. Bela manhã de domingo, dia claro, céu de brigadeiro. Como naqueles tempos as estações do ano eram normais não havia os efeitos do “el niño”. Ninguém se preocupava em ver as previsões do tempo.

O jogo foi tranquilo, muitos dos rapazes de Getúlio Vargas passaram a tarde paquerando as gurias de Ipiranga. O Cobra, como de hábito, venceu com folga as partidas: 5 x 2 no aspirante e 3 x 1 no titular.

Na saída de Ipiranga o Presidente Ataliba estava muito contente. Além de ter vencido os jogos, reforçando a tradição da camisa do Cobra Preta no interior de Getúlio Vargas, a agremiação havia arrecadado 160,00 pilas nas passagens e recebido mais 200,00 de “cachê” pela ida até aquela localidade. Como o fretamento do ônibus custava 140,00 haveria uma “folga de caixa” para pagar outras despesas.

Então aconteceu o inesperado: lá pelas 5 horas da tarde enfrentamos uma tempestade típica de verão. O mundo desabou em forma de chuva. São Pedro abriu as torneiras e mirou no trajeto daquela delegação. Era água que não acabava mais. Devido às precárias condições da estrada, o ônibus do Prezzotto, dirigido pelo “Peroba”, enfrentou sérias dificuldades.

O “Peroba” tentou com muita habilidade conduzir o ônibus no meio do barro. Num certo trecho o veículo deslizou na lama e bateu num barranco, estourando dois vidros do lado esquerdo. Assim mesmo, o motorista teimou em transitar naquele atoleiro. De repente, batemos noutro barranco e mais alguns vidros foram arrebentados. O Ataliba exclamou: se foram embora os lucros da excursão!!

Na primeira subida da estrada não teve mais jeito. Atolamos. A turma toda desceu para empurrar, mas o lamaçal era tanto que não foi possível desencalhar o ônibus. O Ataliba passou a ficar nervoso, pois era o responsável por toda aquela gurizada. O “Peroba” ficou angustiado porque não sabia onde procurar socorro.

Ficamos parados e sujos de barro no meio da estrada. Alguém resolveu buscar ajuda. Veio um colono com uma junta de bois e tentou, sem sucesso, puxar o veículo. Meia hora depois apareceu um agricultor com um trator. Mas nem isso deu jeito de tirar o ônibus da valeta.

A turma levava tudo na maior gozação, ninguém estava se importando muito com a situação. Então o Gainor na maior das ironias disse: “Só nos resta rezar”!!

Ouvindo isso o “Peroba” ergueu as mãos para os céus, olhou sério para toda a gurizada e naquele seu sotaque que não pronunciava a letra R, disse:
– “guris, rezem, mas rezem com fé”.

Era só gente baixando a cabeça ou olhando para os lados para disfarçar o riso…

Lá pelas tantas, cansados de esperar, a maior parte da delegação resolveu ir embora a pé,  apesar da distância. Era só andar uns 8 kilometros até a Estação, se lavar em algum posto de gasolina, pegar o ônibus de linha do Prezzotto e desembarcar em Getúlio.

O Ataliba não gostou da idéia, achou que todos deveriam ficar juntos, pois o ônibus e o fardamento não poderiam ser abandonados ali na estrada.

Não demos ouvido às palavras do Presidente e saímos andando no meio do barro. Meia dúzia de atletas puxa-sacos do treinador ficou com ele, achando que com essa atitude ganhariam uma vaga no time titular.

O ônibus ficou na estrada e só foi rebocado na manhã de segunda-feira. Depois do almoço, como era de costume, a turma se reuniu na frente do prédio dos Melatti, para comentar o jogo ou fatos ocorridos no final de semana.

Nisso chegou o Ataliba esbravejando e dizendo que a partir daquele momento não era mais o presidente do Cobra, porque não havia mais união no time e ninguém se importava se o ônibus ficasse por lá ou se o fardamento tivesse sumido.

O lamento dele era por terem “abandonado o Presidente no meio do mato”.