O LIVRO DE MENSALIDADES

Autores: Beto Melatti e Branco Melatti

Nos últimos anos tornou-se mania nacional a participação de sócios na vida dos times de futebol. Seguidamente os grandes clubes fazem campanhas de marketing tentando angariar mais contribuintes, o tal do sócio-torcedor.

Dizem os colorados que o Internacional tem mais de 100.000 sócios. Os tricolores falam que o Grêmio conta com quase 90.000 e as pesquisas mostram que grandes clubes do exterior como Benfica, Barcelona e Manchester United ultrapassam em muito esses números.

Mas o que muita gente não sabe, nem mesmo a gauchada, é que esse negócio de “pegar” dinheiro dos sócios começou no Esporte Clube Cobra Preta, que sempre foi um clube muito popular na cidade de Getúlio Vargas, tendo um grande número de torcedores e simpatizantes.

Desde a sua fundação a agremiação enfrentou problemas financeiros, devido não possuir renda ou patrocínios graúdos que a mantivessem. Foi por causa disso que o treinador-presidente Ataliba inventou um certo Livro de Mensalidades, no começo da década de 1970, para fazer frente às despesas do clube.

Sabendo onde os jogadores e admiradores do time trabalhavam e quanto cada um ganhava por mês, ele começou a recolher uma arrecadação mensal, com vencimento no dia 1º.

Então, sempre no primeiro dia do mês, lá vinha o Bita com o seu livro de coleta. E era um cobrador insistente e chato. Se livrar dele nessa hora era mais difícil do que nadar de poncho.

Por mais que os contribuintes pagassem em dia, na visão do Ataliba sempre alguns deles estavam com as mensalidades “atrasadas”.

Como o caráter e a honestidade do Ataliba sempre foram inquestionáveis, não havia necessidade dele prestar contas dos valores recebidos e das despesas quitadas. E, além disso, todos sabiam que a arrecadação era miúda e mal dava para pagar a lavagem dos uniformes, comprar uma bola e ou quitar a luz e água da sede social.

Mas como a turma era muito divertida e adorava uma gozação, alguns atletas, com o único intuito de provocar o Mestre Bita, começaram a solicitar uma “prestação de contas dos últimos 5 anos”.

O Ataliba sempre protelava a tal prestação de contas, alegando que estava sem tempo em virtude de estar trabalhando muito ou porque estava preocupado com a montagem do time para o próximo campeonato.

Mas a verdade era que ele sempre havia sido meio desligado desse negócio de contabilidade, débito e crédito, receita e despesa. Mesmo no seu ofício de marceneiro, a vizinhança inteira sabia que nesse aspecto o Ataliba era muito sossegado e não controlava muito bem os pagamentos recebidos dos seus fregueses, ou seja, não tinha muita certeza de quem havia pago pelos seus serviços ou quem ainda estava lhe devendo dinheiro.

O tempo passava, a turma solicitava, mas nada da tal “prestação de contas”.

O Ataliba morava perto do campo do Taguá e nos fundos da sua casa passava o rio Abaúna, que naquela época serpenteava a área urbana de Getúlio Vargas, dando à cidade o famoso título de Capital das Pontes.

Eis que naquele mês de agosto choveu torrencialmente na cidade, fazendo transbordar o Abaúna e a água acabou cobrindo as ruas e invadindo as casas.

A rua onde morava o Ataliba foi uma das primeiras a ser inundada e as pessoas tiveram que abandonar suas casas, algumas se utilizando de canoas.

Naquela mesma semana, por ironia do destino, estavam em cartaz dois filmes no Cine Teatro Vera Cruz: “E o Vento Levou” e “As sandálias do Pescador”. Isso foi a deixa para o Mestre dar a sentença definitiva sobre o “livro de mensalidades”.

Na primeira oportunidade em que se encontrou, na frente do prédio dos Melatti, com toda aquela turma que cobrava a tal “prestação de contas”, ele lascou em tom bastante seguro:

– “Pessoal, agora que estava tudo pronto para prestar contas, minha casa foi inundada e SE FOI EMBORA o “Livro das Mensalidades”. A ÁGUA LEVOU!

E concluiu:

– “Sorte nossa que o João Minhóis foi pescar na segunda cachoeira depois da enchente e acabou fisgando sem querer uma parte do caderno”

– “Por isso eu sei muito bem quem ainda está com a mensalidade atrasada…”

E começou a cobrar todos os sócios de novo…